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Este blog é dedicado às crianças e adultos que gostam de ler e sonhar.


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Simplesmente ler.Ler muito.Ler “quase” tudo.Ler imagens, paisagens, viagens.Ler verdades e mentiras.Ler para obter informações, inquietações, dor e prazer.Ler o ilegível, o impensável, as entrelinhas. Ler simplesmente ler.

domingo, 25 de outubro de 2009

Maria Angula


MARIA ANGULA

Maria Angula era uma menina alegre e viva , filha de um fazendeiro de Cayambe.
Era louca por uma fofoca e vivia fazendo intrigas com os amigos para joga-los uns contra os outros.Por isso tinha fama de leva-e-traz, linguaruda, e era chamada de moleca fofoqueira.
Assim viveu Maria Angula até os dezesseis anos, decidida a armar confusão entre os vizinhos, sem ter tempo para aprender a cuidar e a preparar pratos saborosos.
Quando Maria Angula se casou, começaram os seus problemas. No primeiro dia, o marido pediu-lhe que fizesse uma sopa de pão com miúdos, mas ela não tinha a menor idéia de como prepará-la.
Queimando as mãos com uma mecha embebida em gordura, acendeu o carvão e levou até o fogo um caldeirão com água, sal e colorau, mas não conseguiu sair disso: não fazia idéia de como continuar.
Maria lembrou-se então de que na casa vizinha morava dona Mereces, cozinheira de mão-cheia, e , sem pensar duas vezes, correu até lá.
_ Minha cara vizinha, por acaso a senhora sabe fazer sopa de pão com miúdos?
_Claro, dona Maria. É assim: primeiro coloca-se o pão de molho em uma xícara de leite, depois despeja-se este pão no caldo e, antes que ferva, acrescentam-se os miúdos.
_ Só isso?
_ Só, vizinha.
_ Ah - disse Maria Angula -, mas isso eu já sabia!
E voou para sua cozinha a fim de não esquecer a receita.
No dia seguinte, como o marido lhe pediu que fizesse um ensopado de batatas com toicinho, a história se repetiu:
_ Dona Mercedes, a senhora sabe como se faz o ensopado de batas com toicinho?
E como da outra vez, tão logo a sua boca amiga lhe deu todas as explicações, Maria Angula exclamou:
_ Ah!É só? Mas isso eu já sabia! – E correu imediatamente para casa a fim de prepará-lo. Como isso acontecia todas as manhãs, dona Mercedes acabou se enfezando. Maria Angula vinha sempre com a mesma história: “Ah, é assim que se faz o arroz com carneiro? Mas isso eu já sabia! Ah é assim que se prepara a dobradinha? Mas isso eu já sabia!”. Por isso a mulher decidiu dar-lhe uma lição e, no dia seguinte...
_Dona Mercedinha!
_O que deseja, dona Maria?
_ Nada, querida, só que meu marido quer comer no jantar um caldo de tripas e bucho e eu...
_ Ah, mas isso é fácil demais! –disse dona Mercedes. E antes que Maria Angula a interrompesse continuou:
_ Veja: vá ao cemitério levando um facão bem afiado. Depois espere chegar o último defunto do dia e, sem que ninguém a veja, retire as tripas e o estômago dele.



Ao chegar em casa, lave-os muitos bem e cozinhe-os com água, sal e cebolas. Depois de ferver uns dez minutos, acrescente alguns grãos de amendoim e está pronto. È o prato mais saboroso que existe.
_ Ah! – disse como sempre Maria Angula. – É só isso? Mas isso eu já sabia!
E, num piscar de olhos, estava ela no cemitério, esperando pela chegada do defunto mais fresquinho. Quando já não havia ninguém por perto, dirigiu-se em silêncio à tumba escolhida Tirou terra que cobria o caixão, levantou a tampa e...Ali estava o pavoroso semblante de defunto! Teve ímpetos de fugir, mas o próprio medo a deteve ali. Tremendo dos pés à cabeça, pegou o facão e cravou-o uma, duas, três vezes na barriga do finado e, com desespero, arrancou-lhe as tripas e o estômago. Então voltou correndo para casa. Logo que, conseguiu recuperar a calma, preparou a janta macabra que, sem saber, o marido comeu lambendo-se os beiços.
Nessa mesma noite, enquanto Maria Angula e o marido dormiam, escutaram-se uns gemidos nas redondezas. Ela acordou sobressaltada. O vento zumbia misteriosamente nas janelas, sacudindo-as, e de fora vinham uns ruídos muito estranhos, de meter medo a qualquer um.
De súbito, Maria Angula começou a ouvir um rangido nas escadas. Eram os passos de alguém que subia em direção ao seu quarto, com um andar dificultoso e retumbante, e que se deteve diante da porta. Fez-se um minuto eterno de silêncio e logo depois Maria Angula viu o resplendor fosforescente de um fantasma. Um grito surdo e prolongado paralisou-a.
_ Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha santa sepultura
Maria Angula sentou-se na cama, horrorizada e, com os olhos esbugalhados de tanto medo, viu a porta se abrir, empurrada lentamente por essa figura luminosa e descarnada. A mulher perdeu a fala. Ali, diante dela, estava o defunto. Que avançava mostrando-lhe o seu semblante rígido e o seu ventre esvaziado.
_ Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha santa sepultura!
Aterrorizada, escondeu-se debaixo das cobertas para não vê-lo, mas imediatamente sentiu umas mãos frias e ossudas puxarem-na pelas pernas e arrastarem-na gritando:
_Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha santa sepultura!
Quando Manuel acordou, não encontrou mais a esposa e, muito embora tenha procurado por ela em toda parte. Jamais soube do seu paradeiro.

(Contos de assombração: Jorge Renón de La Torre, conto da tradição oral equatoriana)

sábado, 24 de outubro de 2009

Uma Noite no Paraíso


Uma Noite no Paraíso

Certa vez, dois amigos inseparáveis fizeram o seguinte juramento: aquele que casasse primeiro chamaria o outro para padrinho, mesmo que esse outro estivesse no fim do mundo.
Pois bem: um dos amigos morre e o outro, que estava noivo, não sabendo o que fazer, vai pedir conselhos a seu confessor.
O pároco assegura que a palavra deve ser mantida. Então o noivo vai até o túmulo do amigo convidá-lo para o casamento.
O morto aceita o convite de muito bom grado.
No dia da cerimônia, não diz uma palavra sobre o que vira no outro mundo.
No final do banquete ele fala:- Amigo, como lhe fiz este favor, você agora deve me acompanhar um pouquinho até minha morada.
O recém-casado, não resistindo à curiosidade, pergunta como era a vida do outro lado.
O morto, fazendo um pouco de suspense, responde dessa forma:
- Se quiser saber, venha também ao paraíso.
O outro concorda.
O túmulo se abre e o vivo segue o morto.
A primeira coisa que vê é um lindo palácio de cristal, onde os anjos tocavam para os beatos dançarem e São Pedro, muito feliz, dedilhava seu contrabaixo.
Mais adiante, o amigo lhe apresenta nova maravilha: um jardim onde as árvores, em vez de folhas, tinham pássaros de todas as cores, que cantavam.
- Vamos em frente - diz o morto ao amigo, que fica cada vez mais deslumbrado.
- Agora vou levá-lo para ver uma estrela.
O recém-casado percebe que não se cansaria nunca de admirar as estrelas, os rios, que em vez de água eram de vinho, e a terra, que era de queijo.
De repente o noivo cai em si, lembra-se da noiva que ficara a esperá-lo e pede:
- Compadre, preciso voltar para casa, minha esposa deve estar preocupada.
- Como preferir.Assim dizendo, o morto o acompanha até o túmulo, sumindo logo a seguir.
Ao sair do túmulo, o vivo fica assombrado com o que vê ao seu redor: no lugar daquelas casinhas de pedra meio improvisadas há palácios, bondes, automóveis; as pessoas todas vestidas de modo diferente.
Para se certificar, pergunta o nome da cidade a um velhinho que por ali passava.
- Sim, é esse o nome desta cidade.
No entanto, ao chegar à igreja, é atendido por um bispo muito importante que, consultando os arquivos existentes ali, descobre que trezentos anos atrás um noivo havia acompanhado o padrinho ao túmulo e não tinha voltado nunca mais.


(Transcrito de A dama pé de cabra e outras histórias. São Paulo: Paulinas, 1994.)


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